sábado, 19 de novembro de 2016

Deslumbrado e arrogante.

Dizer que o Rio acordou feliz na manhã de ontem é pouco; o Rio acordou eufórico. A prisão de Sérgio Cabral foi comemorada nas padarias, nos pontos de ônibus, em qualquer lugar onde houvesse pessoas juntas.
A internet, que vinha de uma temporada de baixo astral, explodiu em festa. Há tempos não se via tanta gente contente on-line: nem a prisão do abominável Cunha causou tanta satisfação explícita. Em menos de dez anos, Sérgio Cabral conseguiu passar de governador mais votado do estado, com ótimos índices de aprovação, a figura mais detestada pelos eleitores.
Acho que mais do que incompetência e corrupção, fatores comuns a tantos políticos brasileiros, contribuiu para a péssima imagem do ex-governador o seu estilo de vida ridículo, o seu amor pelos símbolos de uma riqueza de anedota, movida a viagens extravagantes, helicópteros, baldes de champanhe e joias milionárias.
Em vez do carioca bacana que a propaganda vendeu nos seus primeiros anos, ainda aproveitando o prestígio de gente boa do pai, Sérgio Cabral revelou-se uma espécie de sub-Trump tropical do dinheiro alheio, uma Maria Antonieta de Mangaratiba, insensível às necessidades e ao sofrimento do povo.
Pouca gente teve a sua desfaçatez e o seu desprezo pelo bom senso e pela opinião pública; pouca gente teve a ousadia de achar que os eleitores eram tão cegos e ignorantes. Deu no que deu. O que mais me espanta, nessa sua figura ao mesmo tempo trágica e de chanchada, é a falta de ambição.
Com a idade que tinha ao assumir o governo pela primeira vez, e com a simpatia que, bem ou mal, sabia fingir, Sérgio Cabral poderia ter feito uma longa carreira política, contribuindo para de fato melhorar o Rio de Janeiro e o Brasil, deixando um legado digno e importante.
Poderia até mesmo ter se candidatado à Presidência e eventualmente ter sido eleito; poderia ter deixado um bom nome, do qual os seus descendentes se orgulhariam. Em vez disso, preferiu meia dúzia de jantares em Paris, cercado de cafajestes e de novos ricos. Perdeu, por deslumbrado e canalha, o bonde da História.
Que idiota.
*Cora Rónai, em O Globo

Vai um incentivo fiscal no Rio? Sim, fale com a doutora, esposa do Cabral!

Clientes em comum do escritório de advogacia de Adriana Anselmo com empresas que recebem incentivo fiscal no Rio de Janeiro.

Dilma diz que Cabral ‘jamais foi aliado’. Heimm?


Um político nunca deve dizer uma mentira que não possa provar. Alheia a esse ensinamento, Dilma Rousseff flertou com a auto-desmoralização. Fez isso ao divulgar uma nota na qual sustenta que o agora presidiário Sérgio Cabral “jamais foi aliado”. O vídeo, gravado na campanha de 2010, mostra que a aliança que Dilma tenta negar foi construída ainda no governo Lula. A peça exibe os aliados num comício conjunto. Ela disputava a Presidência. Ele reivindicava a reeleição ao governo do Rio. Nessa época, Cabral trombeteava as UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora —uma experiência que Dilma prometia reproduzir em âmbito nacional.
O que houve em 2014 foi uma desavença entre o presidente do PMDB do Rio, deputado estadual Jorge Picciani, e a direção do PT. Por conta esse desentendimento, Picciani lançou uma opção de voto híbrida. Batizou-a de “Aezão”: para o Planalto, Aécio. Para o governo do Rio, Pezão. Cabral, com o prestígio já meio abalado por denúncias de corrupção, não chegou a encampar publicamente a ideia. Ao contrário, deu delcarações pró-Dilma.
Noutro trecho da nota. Dilma sustenta que Sérgio Cabral orientou seus liderados a votarem a favor do impeachment. Ai, ai, ai. Quem comandou a infantaria pró-impeachment foi outro cacique do PMDB do Rio: Eduardo Cunha, então presidente da Câmara. Àquela altura, Cabral fingia-se de morto para não ser notado pela Lava Jato. Era carta fora do baralho.
Dilma fez o que pôde para selar uma aliaça com Cunha. Em troca do engavetamento do impeachment, prometia que os representantes do PT no Conselho de Ética da Câmara votariam contra a cassação do mandato do deputado. Mas o PT roeu a corda. E Cunha colocou para andar o pedido de impedimento.
Numa tentativa de dividir o PMDB, Dilma aproximou-se do líder do partido na Câmara, deputado Leonardo Picciani (RJ). Logo ele! Filho de Jorge Picciani, aquele cacique que firmara acordo com Aécio no Rio, o neo-aliado de Dilma fizera campanha de rua ao lado do presidenciável tucano.
Dilma deu de ombros. E ainda ofereceu a Leonardo Picciani a primazia na indicação de um correligionário para o prestigiado Ministério da Saúde. Foi ao Diário Oficial o nome do deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), um desafeto de Eduardo Cunha. Esforço inútil. O impeachment passou na Câmara. E foi ratificado no Senado. Hoje, Leonardo Picciani é ministro do Turismo de Michel Temer.
Em vez de mentir sobre Cabral, Dilma deveria desfrutar da experiência de contar a verdade sobre seu relacionamento com o PMDB do Rio. Nessa matéria, a verdade é muito mais incrível do que a ficção. É tão inacreditável que é difícil de inventar.

domingo, 13 de novembro de 2016

Trump: o bom, o mau e o incerto.


Trump e o fim da medíocre Era Obama

Enquanto a esquerda dentro e fora dos EUA reage emocionalmente e procura explicar como aconteceu o que julgava impossível, importa analisar friamente as consequências previsíveis da nova era trumpista.


Contras as expectativas de muitos – e contra todo o establishment – Donald Trump foi eleito Presidente dos EUA. Enquanto uma boa parte da esquerda dentro e fora dos EUA reage emocionalmente ao choque e procura explicar como aconteceu o que julgava ser impossível, importa começar a analisar o mais friamente possível o desfecho eleitoral e as consequências previsíveis da nova era trumpista que se anuncia.

Começando pelo mais positivo, a derrota de Hillary Clinton representou uma vigorosa e saudável rejeição de uma candidatura que incorporou e corporizou muitas das menos recomendáveis características do sistema de poder vigente nos EUA. Como bem resumiu Rui Ramos:

“Perdeu Hillary Clinton, uma candidata apoiada por quase todo o establishment, pelo presidente, pela máquina partidária com mais dinheiro desta campanha, pelo poder financeiro, pelo poder mediático, pelo poder universitário, pelo poder de Hollywood. A história da primeira mulher presidente nunca pegou, porque Clinton era sobretudo a herdeira do sistema, cheia de bagagem, de equívocos e de opacidades. Foi assim que foi derrotada.”

Acresce que seria também muito pouco recomendável que os EUA tivessem uma Presidente que somaria aos seus problemas políticos, um longo registo de suspeitas de actividades criminais, registo esse que aliás tornaria provável o desencadear de um processo de impeachment.

Um outro aspecto positivo do desfecho eleitoral foi a inequívoca derrota de Obama e da sua retórica vazia. Ao envolver-se como se envolveu na campanha, foi o próprio Obama que fez com que a vitória de Trump – em especial nos moldes em que foi conseguida – seja também a derrota da mensagem e do legado de Obama. Como explicou Rodrigo Adão da Fonseca:

“Obama foi eleito sob a marca de uma “nova esperança” para a América e para o mundo. O anúncio do progressismo que se avizinhava era acenado com a bandeira da “mudança”, a famosa “Change” que nos conduziria até à prosperidade. Que o seu consulado termine com uma América dividida, e o seu sucessor chegue à Casa Branca motivando o eleitorado com um discurso – “Make America Great Again” – de regresso ao passado, carregado de ódio e divisão, é paradigmático das consequências que podem ter para a democracia a má gestão de expectativas – porque a América que elegeu Trump não é hoje muito diferente daquela que escolheu Obama.”

Ainda contabilizando aspectos positivos da vitória de Trump, são também de salientar as orientações anunciadas para a área da saúde (anulando o Obamacare e introduzindo maior abertura, concorrência e acessibilidade no sector), a intenção de reduzir impostos e as reformas propostas no sector da educação no sentido de maior liberdade de escolha para as famílias e descentralização a favor das comunidades locais.

Entre os aspectos negativos, merecem destaque o anúncio de medidas protecionistas – que podem, a prazo, ter graves consequências não só para os EUA mas para toda a economia global – assim como o keynesianismo difuso que parece estar subjacente ao lançamento de um programa de obras públicas a nível nacional.

Entre aspectos negativos deve ser considerado também o carácter difuso – e por vezes errático – das ideias e propostas que foram sendo apresentadas, o que aliás remete para o muito elevado grau de incerteza que, pelo menos numa fase inicial, deverá estar associado ao primeiro mandato do Presidente Trump.

Essa incerteza é particularmente melindrosa no domínio das relações internacionais – em questões tão cruciais como o envolvimento dos EUA na NATO ou as relações com a China – e também na orientação geral da política económica e regulatória. Considerando que o discurso de Trump deixou muito em aberto, resta esperar que a solidez da equipa que vai escolher esteja ao nível do vice-presidente Mike Pence e de conselheiros económicos como Stephen Moore, ex-economista-chefe da prestigiada Heritage Foundation, e Judy Shelton, co-responsável pelo Sound Money Project da Atlas Network.